sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A poesia em 2013 (actualizado)

A lista que a seguir se apresenta não é exaustiva, mas integra a grande maioria dos livros editados em 2013. Ela mostra que este foi um ano especialmente bom para a poesia portuguesa. Porque surgiram dois ou três livros assombrosos. Porque houve um conjunto alargado de outros muito bons. Porque surgiram novos autores que muito prometem. Porque apareceram novas editoras e colecções de poesia. Porque poetas mais velhos são capazes de se reinventar. Porque a poesia resiste (desde logo à sua própria academização). No entanto, o cenário global está longe de ser favorável. Os sinais negativos também continuam a acentuar a perda de valor simbólico da poesia e dos poetas no conjunto das forças do campo literário. O que significa isto? Significa que a poesia continua sem encontrar um número relevante de leitores e perde cada vez mais terreno no catálogo das editoras portuguesas. Tão grave como esta perda de valor simbólico é a questão da crítica, que se mostra cada vez mais dominada por lógicas de grupos e de amizades/afinidades pessoais, que corroem a necessária confiança do leitor. E a verdade é que sem uma crítica independente, forte e audaz todos ficam a perder: poetas, leitores e críticos. Dito isto, avancemos para os livros.


A) ANTOLOGIAS & VOLUMES COLECTIVOS

1) AAVV, Resumo - A poesia em 2012, poemas escolhidos por Armando Silva Carvalho, José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas, Documenta/FNAC.
2) AAVV, Em Lisboa, sobre o mar - Poesia 2001-2010, poemas escolhidos por Ana Isabel Queiroz, Luís Maia Varela e Maria Luísa Costa, Fabula Urbis.
3) AAVV, Lobos, Língua Morta.
4) AAVV, Quarto de hóspedes, Língua Morta.
5) AAVV, Esta casa, Averno.
6) AAVV, e chorava como quem se diluía em mel d' abelhas, Tea For One.


B) REVISTAS

1) Telhados de Vidro, nº 18, Lisboa, maio, Averno.
2) Cão Celeste, Lisboa (2 números: maio e novembro).
3) Relâmpago, nº duplo (31 e 32), Lisboa, outubro a abril, Fundação Luís Miguel Nava.
4) DiVersos, nº 18, Águas Santas, Edições Sempre em Pé.
5) Piolho, nº 11, Porto, Edições Mortas.


C) LIVROS DE AUTOR

1) Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim.
2) Golgona Anghel, Como uma flor de plástico na montra de um talho, Assírio & Alvim.
3) Manuel Gusmão, Pequeno tratado das figuras,  Assírio & Alvim.
4) Helder Moura Pereira, Pela parte que me toca,  Assírio & Alvim.
5) Helder Moura Pereira, Eu depois inventei o resto, Companhia das Ilhas.
6) Gastão Cruz, Fogo,  Assírio & Alvim.
7) José Tolentino Mendonça, A papoila e o monge,  Assírio & Alvim.
8) Miguel-Manso, Tojo - poemas escolhidos, Relógio D' Água.
9) Miguel-Manso, Supremo 16/70, Artefacto.
10) Rui Nunes, Uma viagem no outono, Relógio D' Água.
11) António Carlos Cortez, O nome negro, Relógio D' Água.
12) Nuno Júdice, Navegação de acaso, D. Quixote.
13) Maria Teresa Horta, A dama e o unicórnio, D. Quixote.
14) Rosa Oliveira, Cinza, Tinta da China.
15) Luis Quintais, Depois da música, Tinta da China.
16) A.M. Pires Cabral, Gaveta do fundo, Tinta da China
17) João Luís Barreto Guimarães, Você está aqui, Quetzal.
18) Nunes da Rocha, Óculos sujos, fígado gordo, & etc.
19) José Luís Costa, Da Madragoa a Meca, & etc.
20) José António Almeida, Arco da Porta do Mar, & etc.
21) Margarida Ferra, Sorte de principiante, & etc.
22) António Barahona, As grandes ondas, Averno.
23) Inês Dias, Um raio ardente e paredes frias,  Averno.
24) Tiago Araújo, Respirar debaixo de água,  Averno.
25) Jaime Rocha, O vulcão, o dorso branco, Averno.
26) Abel Neves, Quasi stellar, Língua Morta.
27) José Carlos Soares, O visitante paralelo, Língua Morta.
28) Alexandre Sarrazola, View-master, Língua Morta.
29) Daniel Jonas, Passageiro frequente, Língua Morta.
30) José Manuel Teixeira da Silva, O lugar que muda o lugar, Língua Morta.
31) Fernando Guimarães, Os caminhos habitados, Afrontamento.
32) Manuel de Freitas, Pontas do mar, Paralelo W.
33) Marta Chaves, Pedra de lume, Paralelo W.
34) José Ricardo Nunes, Compositores do período barroco, Deriva.
35) Ricardo Gil Soeiro, Bartlebys reunidos, Deriva.
36) R. Lino, Baixo-relevo, Companhia das Ilhas.
37) Madalena de Castro Campos, O fardo do homem branco, Companhia das Ilhas.
38) Rosalina Marshall, Manucure, Companhia das Ilhas.
39) Manuel Paes, Fata morgana, Tea For One.
40) Manuel Filipe, Lisboa oriental, Tea For One.
41) Manuel Filipe, À beira de Cesário, edição de autor.
42) João Vasco Coelho, Na ordem do dia, Artefacto.
43) Frederico Pedreira, Doze passos atrás, Artefecto.
44) Rui Almeida, Leis da separação, Medula.
45) Jorge Reis-Sá, Instituto de antropologia, Glaciar.
46) E.M. de Melo e Castro, 15 odes ocas, Pé de Mosca.
47) Regina Guimarães, Comer a língua, Pé de Mosca.
48) Nuno Moura, Canto nono, Douda Correria.
49) Ernesto Rodrigues, Do movimento operário e outras viagens, Âncora.
50) Maria sousa, Mulher ilustrada, Do lado esquerdo.
51) Rui Azevedo Ribeiro, Bombo, 50 kg.
52) Rui Caeiro, Um gato no inferno, edição do autor.
53) Delfim Lopes, No cumprimento do devir, edição do autor.
54) Nuno Dempster, Uma paisagem na web, & etc.
55) Ricardo Marques, Servidões, não (edições).
56) Marta Navarro, E se por hipótese esta máquina começasse a funcionar agora e desse início ao longo processo tentativa-erro, a tua mãe.
57) Pedro Tamen, Rua de nenhures, D. Quixote.


D) ENTRE A POESIA & OUTRA COISA

1) Adília Lopes, Andar a pé, Averno.
2) Beatriz Hierro Lopes, É quase noite, Averno.
3) Henrique Manuel Bento Fialho, Suicidas, Deriva.
4) Frederico Pedreira, O artista está sozinho, edição do autor.
5) Rui Pires Cabral, Broken, Paralelo W.
6) Rui Pires Cabral, Álbum, Nenhures.


E) AUTORES ESTRANGEIROS & TRADUÇÕES

1) João Vário, Exemplos, Tinta da China.
2) Wislawa Szymborska, Um passo da arte eterna, Esfera do Caos (trad. de Teresa Fernandes Swiatkiewicz).
3) Álvaro Mutis, Os versos do navegante, Assírio & Alvim (trad. de Nuno Júdice).
4) Antonio Gamoneda, Oração fria, Assírio & Alvim ( trad. de João Moita).
5) Amalia Bautista, Estou ausente, Averno (trad. de Inês Dias).
6) Gez Walsh, A borbulha no rabo, Companhia das Ilhas (versão em português Helder Moura Pereira).
7) Antonio Orihuela, Que o fogo recorde os nossos nomes, Medula (trad. de Manuel A. Domingos).
8) Robert Bréchon, Ecos reflexos miragens - poemas (1947-2002) seguidos de um Elogio da Imitação, Afrontamento (trad. de Maria João Fernandes, Caroline Mascarenhas e António Ramos Rosa).
9) Pierre Reverdy, Respirar pelo coração, Língua Morta (trad. de Hugo Pinto Santos).
10) AAVV, Estradas secundárias - doze poetas irlandeses, Artefacto (trad. Hugo Pinto Santos).


Algumas notas muito breves:

a) Servidões: um livro tocado pela graça. Mesmo quando a dessacraliza.

b) No que respeita a antologias e volumes colectivos, destaco Lobos e Quarto de hóspedes, publicados pela Língua Morta. São obras marcantes por razões diferentes: Lobos tem uma dimensão guerrilheira que urge salientar; Quarto de hóspedes é uma obra notável que reune poemas de cerca de quarenta autores de diferentes gerações e nacionalidades. Encontro aqui alguns dos melhores poemas do ano. De referir, ainda, que a Tea For One publicou o quarto volume da sua deliciosa colecção de pequenas antologias temáticas. Depois do vinho, do azeite e do pão, saiu agora o volume sobre o mel. Uma delícia.

c) De que falamos quando falamos de revistas? Temos a "nova" Cão Celeste que procura agitar águas críticas e poéticas; a Relâmpago com uma clara vocação canonizante; a Telhados de Vidro com colaborações de grande nível e, por último, duas revistas das margens (geográficas - a DiVersos - e  poéticas - a Piolho, com a sua aparência de fanzine punk). Mas falta aqui qualquer coisa. Que surpreenda. Que rompa e faça a diferença.

d) Cada vez mais a poesia é um assunto de pequenas e micro-editoras, situação com vantagens para autores novos e estreantes, mas claramente prejudicial para a afirmação "pública" da própria poesia. Como é óbvio, é louvável que a poesia surja como um discurso de resistência, não se deixando enlear na rede das facilidades, ou mediocridades, culturais e mediáticas. Mas, como se disse acima, o facto é que ela parece incapaz de alargar o seu campo de acção, começando por chegar a mais leitores. Edições de 150, 200, no máximo 300 exemplares (neste capítulo, as edições esgotadas de Herberto são outra conversa, e nada têm a ver com poesia), mostram como está praticamente confinada às suas próprias fronteiras, funcionando em circuito fechado. Não vejo como isto possa ser benéfico.

e) Alguns dados: a Assírio & Alvim, a Averno e a Língua Morta pela qualidade e quantidade (8 cada uma) dos livros publicados são as "grandes" editoras de poesia em Portugal.  A Averno - ou os seus editores - publica ainda as revistas Telhados de Vidro e Cão Celeste. É impressionante, não é? Excluíndo a Assírio, quem poderá publicar as antologias de poesia portuguesa capazes de fazer o ponto da situação? Quem vai avançar com traduções e antologias de autores estrangeiros? Uma pequena editora como a Artefacto (responsável pela excelente, mas esquálida selecção de poetas irlandeses)? Veja-se: a D. Quixote publicou apenas dois livros de poesia; a Quetzal apenas um; a Relógio D' Água três. Sejamos claros: por extraordinário que seja o seu trabalho, as pequenas editoras não têm capacidade nem vocação para investir em projectos mais ambiciosos, necessários à confrontação da poesia nacional consigo mesma e com outras tradições ou práticas poéticas. Será pedir muito? Deve ser. Bom, para além das referidas editoras, merecedoras de elogio são (também) a Companhia das Ilhas, que lançou algumas vozes novas, e a Tinta da China, que criou uma colecção (dirigida por Pedro Mexia) que concilia a revelação de autores inéditos com a publicação de nomes "consagrados" (A.M. Pires Cabral e Luís Quintais, poetas que transitam da Cotovia). Referência fundamental continua a ser a & etc, que nos ofereceu um livro extraordinário, de Nunes da Rocha, um dos melhores do ano no ano de celebração do quadragésimo aniversário da chancela, efeméride devidamente assinalada por um belo volume editado pela Letra Livre (& etc - uma editora no subterrâneo, coordenação editorial e concepção gráfica de Paulo da Costa Domingos).

f) Já referi alguns dos livros que mais me interessaram este ano (o de Herberto, o de Nunes da Rocha, a antologia dos poetas irlandeses, os livros colectivos da Língua Morta...), mas outros merecem ser assinalados, todos de grande qualidade: As grandes ondas, de António Barahona; Uma viagem no outono, de Rui Nunes; Tojo - poemas escolhidos, de Miguel-Manso; Como uma flor de plástico na montra de um talho, de Golgona Anghel; Respirar debaixo de água, de Tiago Araújo; Um raio ardente e paredes frias, de Inês Dias ou Andar a pé, de Adília Lopes. Bastante bons são também os livros de Daniel Jonas, ou de José Manuel Teixeira da Silva, que não tiveram qualquer repercussão crítica. E o de Nuno Moura. E os de Álvaro Mutis, de Wislawa Szymborska, de Amalia Bautista. E outros mais, a lista podia continuar. Em suma, uma colheita de grande nível, pedras preciosas para combater o cerco a que estamos sujeitos, hoje, neste lugar que precisa urgentemente de se reinventar.

(P.s. - Só há listas incompletas. Por isso quero agradecer aos leitores atentos que me fizeram chegar informações e observações sobre livros e revistas publicados esta ano e que não consta(va)m da lista apresentada. Sugiro, por isso, a leitura dos comentários feitos a este post. Saliento ainda que, por outro lado, lendo hoje o "Atual" do Expresso me dei conta de que não assinalei as importantes reedições das obras de Sophia de Mello Breyner (Assírio & Alvim) e de Jorge de Sena (Guimarães) ou, ainda, de Manuel de Gusmão (Avante), de Eugénio de Andrade (Assírio & Alvim) e de Francisco Duarte Mangas (Modo de ler). E devo reconhecer que estes projectos editoriais atenuam, em parte pelo menos, algumas das observações críticas e pessimistas apresentadas acima. Acrescento, por último, à lista inicial um conjunto de livros que, por lapso ou desconhecimento, não surgiam na mesma).
(P.s. 2 - Acrescentem-se ainda: a notável reunião da obra poética de Manuel de Castro, Bonsoir, Madame, um feito absolutamente extraordinário em co-edição Alexandria/Língua Morta, sem dúvida um dos grandes acontecimentos editoriais do ano, a par das Servidões herbertianas; Flúor, de Andreia C. Faria, Textura e Teatro de rua, de Tatiana Faia, Do lado esquerdo; quanto a revistas, a Piolho publicou ainda o seu número 12, dedicado à tradução, e a Egoísta dedicou o seu último número à poesia).

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ponto da situação (2)

Num ano terrível como este que agora se aproxima do fim escrever, publicar e ler poesia é uma forma de não desistir e de desejar, ou imaginar, uma vida mais verdadeira mais plena mais justa. Não é forçosamente uma forma melhor do que outras. Mas é uma das formas que a mim mais me importa. Depois destes, e sem qualquer ordem, estes são os livros que li (alguns com proveito, outros nem por isso) ou quero ler nas próximas semanas:

1) José Tolentino Mendonça, A papoila e o monge, Assírio & Alvim;
2) José Luís Costa, Da Madragoa a Meca, & etc;
3) Nunes da Rocha, Óculos sujos, fígado gordo, & etc;
4) Henrique Manuel Bento Fialho, Suicidas, Deriva;
5) José Ricardo Nunes, Compositores do período barroco, Deriva;
6) Ricardo Gil Soeiro, Barteblys reunidos, Deriva;
7) AAVV, Esta casa, Averno;
8) Beatriz Hierro Lopes, É quase noite, Averno;
9) Adília Lopes, Andar a pé, Averno;
10) Manuel de Freitas, Pontas do mar, Paralelo W;
11) Rui Pires Cabral, Broken, Paralelo W;
12) Rui Pires Cabral, Álbum, Nenhures;
13) Daniel Jonas, Passageiro frequente, Língua Morta;
14) José Manuel Teixeira da Silva, O lugar que muda o lugar, Língua Morta;
15) Luís Quintais, Depois da música, Tinta da China;
16) João Vasco Coelho, Na ordem do dia, Artefacto;
17) Miguel-Manso, Supremo 16/70, Artefacto;
18) Helder Moura Pereira, Eu depois inventei o resto, Companhia das Ilhas;
19) Gez Walsh, A borbulha no rabo, versão em português de Helder Moura Pereira, Companhia das Ilhas;
20) Antonio Orihuela, Que o fogo recorde os nossos nomes, tradução de Manuel A. Domingos, Medula;
21) Rui Almeida, Leis da separação, Medula;
22) Manuel Filipe, Lisboa oriental, Tea for one;
23) Manuel Filipe, À beira de Cesário, edição do autor;
24) Rui Caeiro, Um gato no inferno, edição do autor;
25) Frederico Pedreira, O artista está sozinho, edição do autor;
26) Jorge Reis-Sá, Instituto de antropologia, Glaciar;
27) Robert Bréchon, Ecos reflexos miragens - poemas (1947-2002) seguidos de um Elogio da Imitação, traduções de Maria João Fernandes, Caroline Mascarenhas e António Ramos Rosa, Afrontamento;
28) AAVV, Resumo - A poesia em 2012, poemas escolhidos por Armando Silva Carvalho, José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas, Documenta/FNAC.

Quanto a revistas, ei-las:

1) Relâmpago, nº duplo, 31 e 32, outubro de 2012 a abril de 2013, Fundação Luís Miguel Nava;
2) Telhados de Vidro, nº 18, maio de 2013, Averno;
3) Cão Celeste, nº 3, maio de 2013.

Até ao final do ano sairão novos livros (de Nuno Júdice, por exemplo) ou chegarão às minhas mãos - pelo menos assim o desejo - outros que já vieram a lume (as 15 odes ocas de E.M. de Mello e Castro, por exemplo). Hei-de lê-los logo que possa. Dos lidos, destaco dois: o de Adília, maravilhoso pela intensidade e pela brevidade; e o de Nunes da Rocha, um dos livros do ano, fazendo boa companhia às Servidões de Herberto, às grandes ondas de Barahona e à flor de plástico de Golgona Anghel. Um ano com meia dúzia de grandes livros (e mais uns quantos muito bons) não pode ser, apesar de tudo, um ano mau. E ainda não acabou.


sábado, 12 de outubro de 2013

Bater em mortos

No Atual de hoje há uma ideia interessante que é desperdiçada: lembrar autores esquecidos ou desprezados e colocar no devido lugar, ou seja, lá em baixo, os que têm merecido uma atenção pública e/ou crítica notoriamente exagerada. E porquê desperdiçada? Pricipalmente por dois motivos. Primo: porque cada crítico só pôde referir dois nomes. Bem sei que é melhor resgatar da obscuridade um só em vez de nenhum. Mas, caros amigos, podiam ter ampliado um bocadinho mais a coisa, não? Assim, sendo cinco os críticos, só teríamos, na melhor das hipóteses, dez autores em destaque. Nem isso chega a acontecer, pois o nome de Teresa Veiga é coincidente nas escolhas de Pedro Mexia e Ana Cristina Leonardo. Clara Ferreira Alves avança apenas com o nome de Alexandre O'Neill (esquecido? Não vejo por quem. Subavaliado? É tudo uma questão de perspectiva...) e denuncia justificadamente a paz podre em que o meio literário português vai vegetando (mas a culpa não é só da Ler, é um bocadinho mais complexo do que isso). Tudo somado: oito nomes postos na ribalta. O'Neill (C. Ferreira Alves); Alexandre Andrade e Carlos de Oliveira (José Mário Silva); Rui Knopfli e Teresa Veiga (Pedro Mexia); Fernando Campos e Pedro A. Vieira ( Luísa Mellid-Franco) e Ferreira de Castro e Teresa Veiga de novo (Ana Cristina Leonardo). Não conheço, não li todos os autores, por isso nada a obstar. De qualquer maneira, teria preferido listagens sem repetição de nomes e mais generosas (Aquilino é um imenso escritor fora de moda; ainda se lê Manuel da Fonseca? E Soeiro Pereira Gomes? Cinatti? Raul de Carvalho? António José Forte? E Alberto Pimenta, vivo graças a Deus, é lido como deve ser?). Secundo: porque se faz sentido falar dos mortos para os resgatar da miséria e da injustiça do pesado manto do esquecimento, já desaproveitar a aportunidade de chegar a roupa ao pêlo a tantos grandes autores vivos que por aí andam (em capas de suplementos literários, em festivais de literatura, etc) e, em vez disso, malhar em gente que já cá não está, parece-me tempo e energia deitados fora. Mas foi a opção de três dos críticos. É um ver se te avias: C. Ferreira Alves zurze em Torga; José Mário Silva no Fernando Pessoa ortónimo e P. Mexia, em dose dupla, em Florbela Espanca e Sttau Monteiro. Acho mal: e não tanto porque os visados não poderão retrucar ou desafiar os críticos para um duelo. Sobretudo porque estes poderiam ter usado o espaço do jornal para bater em quem está vivo e merece umas valorosas bengaladas. Só Luísa Mellid-Franco e Ana Cristina Leonardo, justiça lhes seja feita, afinfam em António Lobo Antunes, José Rodrigues dos Santos, José Luís Peixoto e Valter Hugo Mãe (este último também é visado por C. F Alves). Mas até estas escolhas não são propriamente surpreendentes. Tudo somado, fiquei com curiosidade de ler Alexandre Andrade e Teresa Veiga. E pergunto: então afinal não há mais nada? Dá vontade de citar o Herberto. Porra.



(Post scriptum: Nuno Júdice é tratado assim-assim por José Mário Silva. Fico na dúvida se o crítico critica negativamente. Parece-me mais um empate técnico. Uma no cravo, outra na ferradura... Não é fácil dizer mal).

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Eduíno de Jesus

As figuras de cera do Museu das Janelas Verdes

A A. Jorge de Paço


As impressionantes figuras de cera
Do Museu de Arte Antiga de Lisboa
Também chamado
O das Janelas Verdes
Não existem.
Nem sequer existe
O Museu das Janelas Verdes de Lisboa.
Quanto a Lisboa
A verdadeira cidade de Lisboa capital de Portugal à beira do Tejo
A do Rossio e da Avenida da Liberdade
A do Quartel de Metralhadoras 1 em Campolide onde fui miliciano
A do terramoto de 1755 a que eu não assisti por ter chegado tarde demais
Etc.
Lisboa mesmo
Nunca existiu!



(in Antologia da novíssima poesia portuguesa, organização de Maria Alberta Méneres e E. M. de Melo e Castro, 2ª ed., Morais, 1961, p. 228).

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Jaime Salazar Sampaio


Chamo...
Por um momento julgo ouvir resposta.
Fico à espera.
É o apelo de alguém, chamando como eu chamei.

...E assim são as conversas dos homens.



(in Antologia da novíssima poesia portuguesa, org. Maria Alberta Menéres e E. M. de Melo e Castro, 2ª edição, 1961, Morais, Lisboa, p. 52)

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Egito Gonçalves, na Sá da Costa, esta manhã

Poeta, editor e tradutor, Egito Gonçalves é hoje um nome pouco lembrado. E passaram apenas alguns anos depois da sua morte, em 2001. É uma pena e uma injustiça. Para o poeta e para os leitores, sobretudo os mais novos. A obra de EG é extensa e não resistiu, na totalidade, à prova do tempo; mas é muito estúpido não podermos ler, ou reler, muitos dos seus poemas, grande parte deles de elevada qualidade. Existe uma Antologia poética, que cobre quatro décadas da produção do autor (de 1950 a 1990), editada pela Afrontamento em 1991, mas talvez seja demasiadamente concisa e, além do mais, provavelmente está esgotada. Na verdade, quem queira conhecer a poesia de EG, sobretudo a mais antiga, e não seja frequentador habitual de alfarrabistas, dificilmente encontra os livros do autor de O mapa do tesouro. Por isso alguém deveria recolher e editar uma integral deste poeta. Mas isto, no fundo, é ter ilusões sobre a valorização da poesia por parte de um país que despreza há séculos os seus poetas. Para quê gastar saliva com isto. Adiante. 

***

Hoje de manhã, numa surtida pouco comum à baixa lisboeta (viver nos subúrbios tem os seus custos), encontrei na Livraria Sá da Costa, enquanto alguns clientes e livreiros falavam do fecho iminente da mesma (mas também ouvi umas palavras sobre Herberto Helder...), encontrei, dizia, um livro de Egito Gonçalves, A viagem com o teu rosto. Obra de 1958, graficamente muito bonita, foi editada, imagine-se, por Publicações Europa-América e integrou a colecção do Cancioneiro Geral (é o volume 21 dessa célebre colecção). Sendo um livro manifestamente circunstancial (a sua segunda secção intitula-se precisamente "A circunstância, o dia..."), encontramos nele vários poemas de alta estirpe, entre os quais se destaca o conhecido "Notícias do bloqueio" (pp. 37-38) e outros, acompanhados de diversas dedicatórias a poetas contemporâneos, como Alexandre O'Neill, Cesariny, José Terra ou António Ramos Rosa, sinal das complexas linhas de encontro (ou de fuga) da poesia (neo-realista, surrealista, não-alinhada) e dos poetas daquele tempo. Sendo um texto de mais fácil acesso, em vez do mencionado "Notícias do bloqueio", prefiro reproduzir aqui dois poemas muito menos acessíveis e que não surgem na Antologia poética de 91, da Afrontamento. Dois poemas que considero excelentes e muito actuais.
 
 
***
 
"Notícia para colar na parede"
 
 
Por aqui andamos a morder as palavras
dia  a  dia   no tédio dos cafés
por aqui andaremos    até quando
a fabricar tempestades particulares
a escrever poemas com as unhas à mostra
e uma faca de gelo nas espáduas
por aqui continuamos   ácidos   cortantes
a rugir cotidianamente até ao limite da respiração
enquanto os corações se vão enchendo de areia
lentamente
lentamente
 
(p. 53)
 
***
 
"Inventário"
 
Para António Ramos Rosa e José Terra
 
 
O cidadão pacífico toma café e roi as unhas
enquanto os dias passam - o Sol, os cometas,
as searas, os Deuses, os fabricantes de calendários...
 
Depois dos cafés o cidadão possui ainda oito cinemas
e os namorados podem concorrer aos jardins miniatura
onde além da clássica relva e as 24 árvores
há ainda dois urinois e três velhos próximos da noite.
 
Dos quinze em diante oferece-se uma mulher em decúbito dorsal
que alguns não aproveitam.
 
Depois morre-se e colocam-nos em cima
algumas plantas consideradas tristes.
 
 
(p. 47).
 
 


sábado, 13 de julho de 2013

Ponto da situação

Do que se publicou este ano até agora, li ou quero ler quando chegarem as férias:

a) portugueses:

1) Herberto Helder, Servidões, Assírio & Alvim;
2) Golgona Anghel, Como uma flor de plástico na montra de um talho, Assírio & Alvim;
3) Manuel Gusmão, Pequeno tratado das figuras; Assírio & Alvim;
4) Helder Moura Pereira, Pela parte que me toca, Assírio & Alvim;
5) Gastão Cruz, Fogo, Assírio & Alvim;
6) António Barahona, As grandes ondas, Averno;
7) Inês Dias, Um raio ardente e paredes frias, Averno;
8) Abel Neves, Quasi stellar, Lingua Morta;
9) AAVV, Lobos, Língua Morta;
10) José Carlos Soares, O visitante paralelo, Língua Morta;
11) Alexandre Sarrazola, View-master, Língua Morta;
12) Miguel-Manso, Tojo - poemas escolhidos, Relógio D'Água;
13) Rosa Oliveira, Cinza, Tinta da China;
14) João Luís Barreto Guimarães, Você está aqui, Quetzal;
15) Rui Azevedo Ribeiro, Bombo, 50 KG;
16) R. Lino, Baixo-relevo, Companhia das Ilhas;
17) Madalena de Castro Campos, O fardo do homem branco, Companhia das Ilhas;
18) Rosalina Marshall, Manucure, Companhia das Ilhas;
19) Marta Chaves, Pedra de lume, Paralelo W;
20) Maria Sousa, Mulher ilustrada, Do lado esquerdo.

b) cabo-verdiano:

21) João Vário, Exemplos, Tinta da China.


c) traduções:

22) Wislawa Szymborska, Um passo da arte eterna, Esfera do Caos (trad. Teresa Fernandes Swiatkiewicz);
23) Álvaro Mutis, Os versos do navegante, Assírio & Alvim (trad. Nuno Júdice);
24) Antonio Gamoneda, Oração fria, Assírio & Alvim (trad. João Moita);
25) Amalia Bautista, Estou ausente, Averno (trad. Inês Dias);
26) AAVV, Estradas secundárias - doze poetas irlandeses, Artefacto (trad. Hugo Pinto Santos).


Algumas notas muito breves:

a) destaques: o tsunami herbertiano; grandes livros de Golgona Anghel (uma pedra no caminho), António Barahona (liberdade & contensão plenas), Inês Dias (um livro discreto mas intenso), Miguel-Manso (como ganha com uma edição apertada dos seus poemas) e dos Lobos (uivos a três - Golgona Anghel, David Teles Pereira e Diogo Vaz Pinto - contra o estado das coisas públicas e puéticas).
b) a estreia ou o regresso de várias poetas, fenómeno sociológico que também é, creio, um acontecimento com consequências poéticas de relevo. Dos 20 livros de autores portugueses que destaco, 8 são de mulheres (além disso, Lobos, um volume colectivo, inclui o nome de Golgona Anghel entre os seus autores). Os livros de Madalena Castro Campos e de Rosalina Marshall são muito promissores. O de Rosa Oliveira é desequilibrado, apresentando uma dúzia de poemas excelentes e outros que diminuem a força do livro.
c) os cinco livros traduzidos são todos maravilhosos. Gostaria de destacar muito especialmente a edição da Artefacto dos doze poetas irlandeses apresentados em Estradas secundárias. Um autêntico milagre.
d) Não conheço nada do poeta cabo-verdiano João Vário. Mas estou curioso. E é uma boa notícia o aparecimento de uma nova colecção de poesia (na Tinta da China), dirigida por Pedro Mexia.

domingo, 12 de maio de 2013

Vielimir Khlébnikov

Quando morrem, os cavalos - respiram



Quando morrem, os cavalos - respiram,
Quando morrem, as ervas - secam,
Quando morrem, os sóis - se apagam,
Quando morrem, os homens - cantam.

                                                                   (1913)


(Poesia russa moderna; traduções de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman; Perspectiva, 6ª edição (revista e aumentada), 2001, p. 127)

terça-feira, 7 de maio de 2013

Domingo Alfonso

A mesa



Vamos falar da mesa
tal como a vejo,
queda à minha frente.
Ao almoço é uma toalha com pratos e copos,
vista ao microscópio
as suas mínimas partículas formam um mundo
compacto, inenarrável.
Esta mesa foi a terra,
um arbusto, uma árvore, um tronco sob o machado;
passou por serras, oficinas, lojas,
antes de ficar agora
queda diante dos meus olhos
num ponto da sua viagem para a infinita destruição.



[Tradução de Manuel de Seabra; Poesia Cubana da Revolução; Editorial Futura, Lisboa, 1975, pp. 179-180]

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A propósito da reportagem de Paulo Moura sobre "os nossos novos poetas"

"Ípsilon" da última sexta-feira: é sempre bom ver a nova poesia portuguesa merecer atenção. Neste caso, capa, seis páginas de texto, fotos excelentes dos autores referidos. Um destaque idêntico ao dado, pelo mesmo suplemento cultural, em edições anteriores, à nova geração de prosadores, de músicos portugueses ou de artistas plásticos. É justo que assim seja. Mas, o mal deve ser meu, fica, indelével, uma impressão de ligeireza na abordagem do tema. 
Algumas notas sobre a prosa de Paulo Moura. Em primeiro lugar, percebe-se que é um texto carregado de optimismo, o que contrasta claramente com o pessimismo (por exemplo) de Nuno Júdice, expresso numa entrevista à Ler. No entanto,  para que a discussão não caia em simplismos improdutivos, teria sido talvez útil evitar afirmações como esta, praticamente a abrir: "Diz-se que há um renascimento da poesia portuguesa, uma geração de ouro." Quem o diz, afinal? Paulo Moura, estranha forma de abordar jornalisticamente a questão, não nos revela tal coisa. E seria bom saber. Porque, mesmo apreciando muito alguns dos novos autores (é o meu caso), devemos ter a clara consciência de que é demasiado cedo para afirmações tão categóricas (há outras semelhantes ao longo do texto). Como disse Manuel António Pina ainda não é o princípio nem o fim do mundo calma é apenas um pouco tarde.
Para além dos excessos deste tipo, nem todos da responsabilidade do jornalista (Manuel Margarido, citado na qualidade de leitor atento dos novos, arrisca defender que "a poesia é a arte portuguesa por excelência", sendo "mais autêntica do que qualquer outra experiência artística", afirmações de difícil comprovação...), esta reportagem poderia servir como pretexto para serem retomadas algumas das reflexões que se deveriam fazer sobre o estado da poesia hoje em Portugal. Dou apenas alguns tópicos a merecer atenção: a relação dos novos poetas com os menos novos, e vice-versa; o tema da falta (?) de público leitor; a publicação de novos autores; a poesia e a internet... São aspectos fundamentais, aflorados pelos autores entrevistados e que justificam uma discussão séria. Infelizmente, não parecem existir condições para a reflexão se fazer publicamente.
Não obstante, algumas das afirmações de Paulo Moura e dos poetas por si ouvidos são suficientemente desafiadoras para funcionarem como fósforos na palha da poesia portuguesa actual. Destacaria duas: uma, que me parece fundamental, é de David Teles Pereira e não deveria passar sem resposta por parte de todos os interessados: "A poesia está a morrer, e as pequenas editoras não fazem mais do que fornecer-lhe alguns cuidados paliativos." Claro, é sempre possível pressentir ecos beckttianos na afirmação de que "a poesia está a morrer" (está assim há muito tempo, é uma condição da modernidade e da pós-modernidade poéticas, como diriam os entendidos, e vai continuar a ser assim nos próximos tempos), mas este diagnóstico choca radicalmente com a visão optimista do próprio contexto em que ela é reproduzida. Dá que pensar. Acresce que isto é dito por alguém que criou uma revista e uma editora (uma das que mais editou e melhor editou, no último ano); alguém que faz, em vez de cair em lamentação. Por isso apetece perguntar: quem pega nestas palavras?
A segunda afirmação que destaco é do autor da reportagem: "Não há crise na poesia. Ninguém a lê, mas isso pouco conta." Não percebo. O jornalista Paulo Moura não acha estranho? Eu sei que os poetas não andam à procura de leitores a todo o custo. Mas a poesia só existe, só sobrevive se for capaz de chegar aos leitores, a alguns leitores. Até pode ser escrita contra eles; contra os seus hábitos e mecanismos de leitura. Mas não me parece que tenha grande saída sem eles.
O problema é mais geral, bem sei. Por isso finalizo com um exemplo a (des)propósito: há quatro anos que são realizadas escolhas dos "melhores poemas do ano". Falo das diversas edições de Resumo, uma ideia inovadora, ainda por cima com leitores, e tendencialmente polémica. Por causa dos responsáveis, por causa das suas escolhas; por causa dos seus critérios. Uma realização tendencialmente polémica, escrevi eu. Mas, quatro edições depois - acabou de sair a última, relativa ao ano de 2012, no dia 21 de março -, (quase!) ninguém reagiu, de forma consistente, a este acontecimento. Não é estranho?
 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ready to start


"(...) é impossível medir o tipo de alterações que um poema desencadeia no mundo."

***

"Talvez tudo o que seja importante seja extremamente perigoso."



Silvina Rodrigues Lopes, "A literatura como experiência", in Literatura, defesa do atrito; Vendaval, Lisboa, 2003, pp. 53-54.
 


Preparados para começar? Bute!


segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

A poesia em 2012 - uma escolha

 
Dos livros que li, e feitas as derradeiras actualizações no último dia do ano, escolho estes como os melhores de 2012:
 
A) POESIAS REUNIDAS & ANTOLOGIAS DE AUTORES:
 
- Todas as palavras - Poesia reunida, Manuel António Pina, Assírio & Alvim. (Fundamental).
 
 
B) ANTOLOGIAS & PUBLICAÇÕES COLECTIVAS:
 
- Nós, os desconhecidos, Averno. (Excluindo o terceiro Resumo, porque apresenta uma selecção "dos melhores poemas" de 2011, este livro/álbum da Averno surge como uma das obras mais intensas do ano que agora termina. Ladrador, Averno e Deitar a língua de fora, Língua Morta, também merecem destaque como livros de grande qualidade).
 
 
C) LIVROS DE AUTOR:
 
- Bastardo, Diogo Vaz Pinto, Averno. (Aos "vinte e seis anos aqui ou agora" (p. 69) um segundo grande livro e a confirmação de um poeta que veio para desassossegar). E De nada, de Alberto Pimenta. Obra total.
 
 
D) OUTROS LIVROS DE POETAS:
 
- O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim. (Um livro simples e comovedor).
 
 
E) POESIA TRADUZIDA:
 
- A.A.V.V., Um país que sonha - cem anos de poesia colombiana; selecção e prólogo de Laurem Mendinueta; traduções de Nuno Júdice, Assírio & Alvim. (Umas boas dezenas de maravilhosas pepitas de ouro. O que se diz aos senhores? Queremos mais!).
 
E agora bom ano novo.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Ricardo Marques

Weather forecast



Acreditar na vida como
acreditamos no boletim
metereológico de todos os dias.
Apesar de todas as previsões,
profundamente científicas,
há sempre uma variável que não
controlamos. E por isso temos
esperança e desconfiamos. E tal
como toda a gente, aprendemos
que há que saber sair de casa
esquecendo deliberadamente o
guarda-chuva.




(Eudaimonia, ed. do autor, p. 13)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A poesia em 2012


Sem querer entrar em competição directa com Luís Miguel Queirós (e todos os outros leitores de poesia que têm a mania das listagens bibliográficas), apresento aqui um inventário dos livros publicados em 2012. É certo que o ano ainda não terminou e que, dado o volume editorial das últimas semanas, não se deve pôr de lado a possibilidade de surgirem mais novidades até ao dia 31 de dezembro. No entanto, avanço já com esta empreitada que ninguém me encomendou e que, logicamente, assume a natureza de um trabalho em processo: porque é bem possível que me esteja a esquecer de algum livro que não devia e de que me lembre entretanto; porque algum leitor eventual deste post poderá fazer algum reparo justificado; porque nenhuma lista, embora o deseje, consegue ser totalmente exaustiva. Porém, e apesar de todas estas objecções, tenho a esperança de que a maior parte das publicações e obras publicadas este ano, em Portugal, no campo da poesia, aqui esteja incluída. Os poucos (quero crer) livros não referidos ficam de fora porque, pura e simplesmente, não os conheço - ou porque calhou não chegarem ao meu conhecimento; ou porque não houve nada (neles ou por causa deles) que me acordasse para os mesmos; ou porque, afinal, eu estive distraído. É quase indubitável que o mal deve ser meu. Mas que posso fazer senão reconhecer tal fraqueza? Por último, quero deixar claro, em nome da verdade, que não li ainda todos os livros listados; indico esse facto à frente da obra referida através das inicias NL (ou seja: Não Li). Desses livros ainda não lidos uns quantos, poderia apostar, serão alguns dos melhores de 2012. Mas isso é muito provável que eu  descubra só em 2013. 


(NOTA: Esta lista está organizada por secções: "Poesia reunida", "Revistas", etc; para além da junção das obras de um mesmo autor - sempre que tal se justifique -, não existe outro critério que ordene as obras no interior de cada secção, nem sequer o critério alfabético; se houver razões para isso, serão feitas actualizações até ao final do ano).



A) POESIAS REUNIDAS & ANTOLOGIAS DE AUTORES

1) Manuel António Pina, Todas as palavras - Poesia reunida, Assírio & Alvim (do mesmo autor, e na mesma editora, saiu também O pássaro na cabeça e mais versos para crianças);
2) Vasco Graça Moura, Poesia Reunida (2 volumes), Quetzal;
3) Daniel Faria, Poesia, Assírio & Alvim;
4) Carlos Poças Falcão, Arte Nenhuma (Poesia - 1987/2012), Opera Omnia (NL);
5) Maria do Rosário Pedreira, Poesia Reunida, Quetzal.
6) Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim (nova edição das obras do autor em volumes que agrupam dois livros em cada volume; foram editados os dois primeiros destes volumes).
7) Sophia de Mello Breyner, Os poemas sobre Pessoa, Caminho (NL);
8) Emanuel Jorge Botelho, Tudo isto para falar da noite; prefácio e selecção de Manuel de Freitas, Língua Morta.
9) Inês Lourenço, Câmara escura - uma antologia; selecção de Manuel de Freitas, Língua Morta;
10) José Jorge Letria, Poesia escolhida, organização e apresentação de Teresa Carvalho, Imprensa da Universidade de Coimbra (NL).


B) REVISTAS

1) Telhados de Vidro, Averno, Lisboa (2 números: 16 e 17);
2) Relâmpago, Lisboa, nº duplo (29 e 30)(NL);
3) Cão Celeste, Lisboa (2 números: 1 e 2);
4) Piolho, Edições Mortas, Porto (3 números: 8, 9 e 10) (NL);
5) Grisu, Guimarães (primeiro número).


C)  ANTOLOGIAS & PUBLICAÇÕES COLECTIVAS 

1) Algarve - 12 poetas a sul do século XXI, Livros Capital;
2) A vista desarmada, o tempo largo - Antologia. Poetas em homenagem a Vasco Graça Moura; Quetzal;
3) Meditações sobre o fim - os últimos poemas, Hariemuj;
4) Quinteto, Artefacto;
5) Este é o meu sangue, Tea For One;
6) De fio a pavio, Tea For One;
7) Deitar a língua de fora, Língua Morta;
8) Ladrador, Averno;
9) Hotel Oslo, ed. dos autores;
10) Nós, os desconhecidos, Averno;
11) Merry Little Christmas, Averno;
12) Resumo - a poesia em 2011, Fnac/Documenta;
13) Ruindade, 50 Kg..


D) LIVROS DE AUTOR

1) Nuno Costa Santos, às vezes é um insecto que faz disparar o alarme, Companhia das Ilhas;
2) Nuno Moura, Prémio nacional de poesia, MiaSoave,
3) Alberto Pimenta, Al face-book, 7 nós;
4) Jorge Roque, Canção da vida, Averno;
5) António Barahona, A doença - panaceia, Língua Morta;
6) António Barahona, Maçãs de espelho, Língua Morta (inclui a plaquete anterior);
7) Luís Filipe Parrado, Entre a carne e o osso, Língua Morta;
8) Fernando Pinto do Amaral, Paliativos, Língua Morta;
9) Inês Dias, In situ, Língua Morta;
10) Armando Silva Carvalho, De amore, Assírio & Alvim;
11) Jorge Sousa Braga, O novíssimo testamento e outros poemas, Assírio & Alvim;
12) José Tolentino Mendonça, Estação Central, Assírio & Alvim;
12) Marta Chaves, Dar-te amor e tirar-te a vida, Tea For One;
13) Manuel Paes, Em equilíbrio no tempo, Tea For One;
14) Manuel de Freitas, Cólofon, Fahrenheit 451;
15) Manuel de Freitas, 18 de abril, Língua Morta;
16) Rui Baião, Rude, Averno;
17) Diogo Vaz Pinto, Bastardo, Averno;
18) José Carlos Soares, Do lado de fora, 50 Kg;
19) Miguel Martins, a metafísica das t-shirts brancas, 50 Kg;
20) Miguel Martins, Cãibra, Ediresistência;
21) Henrique Manuel Bento Fialho, Rogil, volta d' mar;
22) Hélia Correia, A terceira miséria; Relógio D'Água;
23) Inês Fonseca Santos, As coisas, Abysmo;
24) João Paulo Cotrim, Má raça, Abysmo;
25) Nuno Júdice, Fórmulas de uma luz inexplicável, D. Quixote;
26) Nuno Dempster, Pedro e Inês: Dolce stil nuovo, Edições Sempre-em-Pé (NL);
27) Paulo da Costa Domingos, Versos abrasileirados, &etc;
28) Rosa Alice Branco, Concerto ao vivo, &etc (NL);
29) António Carlos Cortez, Linha de fogo, Licorne;
30) Raquel Nobre Guerra, Groto Sato, Mariposa Azual;
31) Vasco Gato, A fábrica, Língua Morta;
32) Rui Costa, Breve ensaio sobre a potência, Língua Morta
33) Amadeu Baptista, Açougue, &etc (NL);
34) Nuno Dempster, Elegias de Cronos, Artefacto (NL);
35) Isabel Carvalho, Resgate, Pé de Mosca (NL);
36) Susana Araújo, Dívida soberana, Mariposa Azual;
37) Miguel-Manso, Aqui podia viver gente, Primeiro Passo;
38) Jaime Rocha, Mulher inclinada com cântaro, volta d' mar (NL);
39) Alberto Pimenta, De nada, Boca.


E) EDIÇÕES DE AUTOR

1) Miguel-Manso, Ensinar o caminho ao diabo;
2) Miguel-Manso, Um lugar a menos;
3) Manuel Filipe, Via de Curetes;
4) manuel a. domingos, Penumbra
5) Ricardo Marques, Eudaimonia;
6) Paulo Tavares, Capitais.


F) ENTRE A POESIA E OUTRA COISA

1) Jorge Roque, O martelo, ed. do autor;
2) Bénédicte Houart, Há dias, &etc;
3) Rui Pires Cabral, Biblioteca dos rapazes, Pianola;
4) Miguel Martins, fôlego sem folga, Língua Morta;
5) Miguel Martins, Um homem sozinho, Língua Morta.


ANEXO1: OUTROS LIVROS DE POETAS QUE NÃO SÃO DE POESIA (OU, SE CALHAR, ATÉ SÃO):

1) Al Berto, Diários, Assírio & Alvim;
2) Manuel António Pina, Aniki-Bóbó, Assírio & Alvim (NL);
3) Vitor Silva Tavares, Para já Para já, Dois dias edições;
4) António Osório, O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim;
5) Manuel de Freitas, Pedacinhos de ossos, Averno;
6) João Miguel Fernades Jorge (e Pedro Calapez), O próximo outono, Relógio D'Água (NL).


G) TRÊS POETAS BRASILEIROS

1) Lêdo Ivo, Antologia poética, Afrontamento (org. Albano Martins);
2) Fabio Weintraub, Baque, Língua Morta;
3) Pádua Fernandes, Cálcio, Averno (NL).


H) POESIA TRADUZIDA

1) A.A.V.V., Um país que sonha - cem anos de poesia colombiana; selecção e prólogo de Lauren Mendinueta; traduções de Nuno Júdice, Assírio & Alvim;
2) Tomas Tranströmer, 50 poemas; trad. de Alexandre Pastor, Relógio D'Água;
3) Tomas Tranströmer, As minhas lembranças observam-me seguido de Primeiros poemas; trad. de Ana Diniz e Alexandre Pastor, Sextante;
4) A.A.V.V., Três momentos da poesia europeia (De Safo e Píndaro a Ungaretti e Salinas); selecção, tradução e notas de Albano Martins, Afrontamento (NL);
5) A.A.V.V., O tigre na rua e outros poemas; traduções de Miguel Gouveia, Helder Guégués e Nina e Filipe Guerra, Bruaá;
6) Jean Cocteau, Tanta coisa por dizer; selecção e trad. de Inês Dias, Língua Morta (NL);
7) Antonio Hernández, O mundo inteiro; trad. de Inês Dias Língua Morta;
8) Antonia Pozzi, Morte de uma estação; trad. de Inês Dias, Averno;
9) Amy Lowell, Não eram rosas; selecção e trad. de Ricardo Marques, Língua Morta;
10) John Mateer, Este livro escuro; trad. de Inês Dias, Averno;
11) Pablo Neruda, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada; trad. José Miguel Silva, Relógio D'Água (NL).


I) ALGUMAS OBSERVAÇÕES

1) Acentua-se a tendência, já enunciada pelos mais atentos, para o quase desaparecimento da poesia no plano corrente de edição de editoriais de certa dimensão e com alguma tradição na publicação de poesia (Relógio D'Água, Caminho, D. Quixote...) ou para uma redução substancial do número de obras publicadas  por uma editora de referência como a Assírio & Alvim. A Cotovia, editora de média dimensão que publicou obras de grande relevo, tanto de poetas nacionais como estrangeiros, pelo que constatei, não publicou qualquer livro de poesia este ano.

2) Confirma-se, também, a tendência para a poesia ser publicada por editoras de pequena ou pequeníssima dimensão, com tiragens reduzidas; enquanto objectos - factor que interessa a qualquer amante de livros - estes costumam variar, material e tipograficamente, entre um despojamento quase total e uma certa vocação para a volúpia tipográfica e sensorial em que todos os pormenores (papel, gramagens, texturas, cheiros, imagens/ilustrações...) contam. De salientar, igualmente, o aparecimento de novas editoras como Pianola, Fahrenheit 451, Ediresistência, Hariemuj...

3) Este ano verificou-se, também, o aparecimento de um número assinalável de livros/publicações colectivas (antologias ou volumes organizados a partir de núcleos temáticos mais ou menos explícitos e/ou explicitados). Mas dificilmente se poderá constatar muito mais do que isto, dada a inexistência de grupos ou tendências mais ou menos definidas. Deve ser registado o facto de ter sido editado o terceiro Resumo, o volume antológico  com os "melhores poemas publicados em Portugal ao longo do ano de 2011", segundo Armando Silva Carvalho, José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas.

4) Confirma-se a tendência para a rarefacção das edições de autor (mas é difícil saber exactamente o que vai sendo publicado).

5) Registe-se, sem alegria, o reduzidíssmo número de traduções publicadas. Uma pobreza (quase) total. E dos onze livros que destaco (houve mais?), seis foram editados por três pequenas editoras. Comentários para quê? Só se for para saudar o bom gosto e a determinação heroica, quase quixotesca, dos tradutores e editores da Língua Morta, da Averno e da Bruaá. Dito isto, quero afirmar que a antologia de poesia colombiana, organizada por Lauren Mendinueta e traduzida por Nuno Júdice é, apesar do número reduzido de poemas por autor, uma obra fascinante. E há tanto mundo por descobrir!

(Rui Costa. Manuel António Pina. Papiniano Carlos: talvez a morte não tenha, ainda, a última palavra).

(Post scriptum - Façamos alguma contas, retiremos algumas ilações. Das editoras de maior dimensão, só a Assírio & Alvim parece apostada em continuar a publicar poesia com regularidade (8 livros); a Quetzal publicou apenas 4 livros de poesia, todos de certa envergadura (obras poéticas reunidas de Vasco Graça Moura - bem como uma antologia de homenagem a este autor - e de Maria do Rosário Pedreira); a Relógio D'Água publicou somente 4 livros (e apenas 1 de um autor português, Hélia Correia; o livro de João Miguel Fernandes Jorge apresenta-se como um diário...); a Caminho e a D. Quixote publicaram 1 livro de poesia cada. Nenhuma destas editoras arriscou na publicação de originais de novos autores. A Afrontamento fez um pouco mais e editou 2 livros (duas antologias organizadas por Albano Martins). Claramente, é noutros lados que as coisas estão a acontecer: são a Averno (12 livros) e a Língua Morta (17 livros) que surgem como grandes forças motrizes da edição de poesia em Portugal. Se a Averno já anda nestas lides há uma década, facto que deve ser devidamente enaltecido, espantoso é o salto, em quantidade e qualidade, da Língua Morta. De qualquer maneira, estas pequenas editoras não poderão substituir as de maior dimensão, pois só estas possuem as condições necessárias para a edição de obras mais ambiciosas (antologias, traduções regulares de autores vivos, reuniões de obras poéticas), como se constata, aliás, pelo que aconteceu este ano. Dois exemplos: só editoras como a Assírio ou a Relógio D'Água poderiam editar livros como as antologias de poesia colombiana ou a do Nobelizado Tranströmer. Porém, os sinais mais recentes não indiciam mudanças de rumo nas linhas de trabalho destas editoras. E a crise económica não justifica tudo).

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Um retrato de Rosa Luxemburgo e dois poemas de Jorge Riechmann




Janeiro é água no canal de Landwehr



O tenente de caçadores ordenou:
"A porca tem que nadar".
O soldado de caçadores Runge regressou uma hora depois:
"A porca já está a nadar".
Berlim, 1919.
Janeiro é água no canal de Landwerhr
onde se vão apagando as mãos
de Rosa Luxemburgo.


*****


Convivo com assassinos



Não são intelectuais: são apenas profissionais eficazes.
Dado um fim, alcançam-no muitas vezes
com a máxima economia de meios.
Mesmo quando o fim consiste, tantas vezes assim é,
na máxima delapidação de meios
conseguem sair-se bem com elegância.

Convivo com assassinos.
Cheiram muito bem. É agradável
o seu humor profissional.
Praticam o beija-mão com alegre ferocidade.
Nos lábios sempre um sorriso
que poderia passar por autêntico
e por certo é.

Convivo com assassinos.
Adoram Bruckner ou Moramdi.
O seu sentido estético está tão desenvolvido
quanto a sua profissão exige, pois eles
são bons profissionais. Capazes
de começar a chorar diante de uma orquídea.
Depois regressam à sede do conselho de administração
para planearem a próxima operação comercial.



(Poesia espanhola de agora, vol II, Relógio D' Água, Lisboa, 1997, p. 653 e 659, respectivamente; tradução de Joaquim Manuel Magalhães).

terça-feira, 6 de novembro de 2012

António Osório sobre "o desprezo pela poesia"


        Tão-pouco nos devemos confinar a uma ironia sarcástica contra um mundo cruel.
        Sem dúvida, a poesia terá de ser um "refúgio" contra a voragem tecnocrática, contra o desrespeito pela beleza do mundo, contra a destruição da paisagem. Os seus são os valores da vida, a poesia é, como Croce sempre defendeu, a "palavra cósmica", uma forma de não se submeter, mas de se indignar, de estar ao lado dos humilhados, uma afirmação humanista.
        Retenhamos estas palavras de Rainer Maria Rilke, nas suas Cartas a um Jovem Poeta: "ser artista é amanhecer como as árvores, que não duvidam da própria seiva e que enfrentam tranquilas as tempestades da Primavera, sem recear que o Verão não chegue".
        Teremos de ser como elas, que não põem em causa a própria seiva e que resistem às tempestades da Primavera. Contra o desprezo pela poesia, oponhamos uma perseverante defesa. E ofereçamos os nossos livros com um gesto fraterno.



(Quatro últimos parágrafos do "Apêndice" a O concerto interior - evocações de um poeta, Assírio & Alvim, Lisboa, 2012).