quarta-feira, 6 de julho de 2011

A poesia em 2011: Rosa Alice Branco

O cão que me tinha



Eu tive um cão ou era ele
que me tinha e me deixava à solta
guiada sem saber que ia.
Tomava as minhas feridas,
a tristeza que eu pudesse ter
e sofria dela como eu nem sofria.
Trocava de mal trocando-lhe as voltas.
Punha a coleira ao pescoço
e levava-me a passear
como se eu fosse o dono.
E à noite dormia no chão
ou então fingia. Eu acordava
com um servo aos pés da cama,
armava-me em amo
e era ele que me tinha.
Exímio no silêncio
e no uso das armas
com que me defendia
de todos e também de mim:
a linha veloz do pêlo luzidio,
o frémito da língua,
o focinho em arco para a escuta.
Era um cão que me tinha
e uma tarde de verão
atirei-lhe um osso gostoso
anter de o deixar no canil.



(Gado do Senhor, &etc, Lisboa, 2011, p. 13).

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