segunda-feira, 1 de abril de 2013

A propósito da reportagem de Paulo Moura sobre "os nossos novos poetas"

"Ípsilon" da última sexta-feira: é sempre bom ver a nova poesia portuguesa merecer atenção. Neste caso, capa, seis páginas de texto, fotos excelentes dos autores referidos. Um destaque idêntico ao dado, pelo mesmo suplemento cultural, em edições anteriores, à nova geração de prosadores, de músicos portugueses ou de artistas plásticos. É justo que assim seja. Mas, o mal deve ser meu, fica, indelével, uma impressão de ligeireza na abordagem do tema. 
Algumas notas sobre a prosa de Paulo Moura. Em primeiro lugar, percebe-se que é um texto carregado de optimismo, o que contrasta claramente com o pessimismo (por exemplo) de Nuno Júdice, expresso numa entrevista à Ler. No entanto,  para que a discussão não caia em simplismos improdutivos, teria sido talvez útil evitar afirmações como esta, praticamente a abrir: "Diz-se que há um renascimento da poesia portuguesa, uma geração de ouro." Quem o diz, afinal? Paulo Moura, estranha forma de abordar jornalisticamente a questão, não nos revela tal coisa. E seria bom saber. Porque, mesmo apreciando muito alguns dos novos autores (é o meu caso), devemos ter a clara consciência de que é demasiado cedo para afirmações tão categóricas (há outras semelhantes ao longo do texto). Como disse Manuel António Pina ainda não é o princípio nem o fim do mundo calma é apenas um pouco tarde.
Para além dos excessos deste tipo, nem todos da responsabilidade do jornalista (Manuel Margarido, citado na qualidade de leitor atento dos novos, arrisca defender que "a poesia é a arte portuguesa por excelência", sendo "mais autêntica do que qualquer outra experiência artística", afirmações de difícil comprovação...), esta reportagem poderia servir como pretexto para serem retomadas algumas das reflexões que se deveriam fazer sobre o estado da poesia hoje em Portugal. Dou apenas alguns tópicos a merecer atenção: a relação dos novos poetas com os menos novos, e vice-versa; o tema da falta (?) de público leitor; a publicação de novos autores; a poesia e a internet... São aspectos fundamentais, aflorados pelos autores entrevistados e que justificam uma discussão séria. Infelizmente, não parecem existir condições para a reflexão se fazer publicamente.
Não obstante, algumas das afirmações de Paulo Moura e dos poetas por si ouvidos são suficientemente desafiadoras para funcionarem como fósforos na palha da poesia portuguesa actual. Destacaria duas: uma, que me parece fundamental, é de David Teles Pereira e não deveria passar sem resposta por parte de todos os interessados: "A poesia está a morrer, e as pequenas editoras não fazem mais do que fornecer-lhe alguns cuidados paliativos." Claro, é sempre possível pressentir ecos beckttianos na afirmação de que "a poesia está a morrer" (está assim há muito tempo, é uma condição da modernidade e da pós-modernidade poéticas, como diriam os entendidos, e vai continuar a ser assim nos próximos tempos), mas este diagnóstico choca radicalmente com a visão optimista do próprio contexto em que ela é reproduzida. Dá que pensar. Acresce que isto é dito por alguém que criou uma revista e uma editora (uma das que mais editou e melhor editou, no último ano); alguém que faz, em vez de cair em lamentação. Por isso apetece perguntar: quem pega nestas palavras?
A segunda afirmação que destaco é do autor da reportagem: "Não há crise na poesia. Ninguém a lê, mas isso pouco conta." Não percebo. O jornalista Paulo Moura não acha estranho? Eu sei que os poetas não andam à procura de leitores a todo o custo. Mas a poesia só existe, só sobrevive se for capaz de chegar aos leitores, a alguns leitores. Até pode ser escrita contra eles; contra os seus hábitos e mecanismos de leitura. Mas não me parece que tenha grande saída sem eles.
O problema é mais geral, bem sei. Por isso finalizo com um exemplo a (des)propósito: há quatro anos que são realizadas escolhas dos "melhores poemas do ano". Falo das diversas edições de Resumo, uma ideia inovadora, ainda por cima com leitores, e tendencialmente polémica. Por causa dos responsáveis, por causa das suas escolhas; por causa dos seus critérios. Uma realização tendencialmente polémica, escrevi eu. Mas, quatro edições depois - acabou de sair a última, relativa ao ano de 2012, no dia 21 de março -, (quase!) ninguém reagiu, de forma consistente, a este acontecimento. Não é estranho?
 

4 comentários:

  1. Acontece que eu não disse exactamente isso ao Paulo Moura. Fui mal citado. Apesar de aparecer entre aspas, o que eu disse foi que a edição de poesia está a morrer e não que é a poesia que está a morrer.

    As pequenas editoras não são, para a poesia, uma solução viável. O seu reino instalado, na poesia portuguesa, não é uma solução, não é uma cura, é apenas um sintoma de uma grave patologia. Na melhor perspectiva, estas editoras são paliativos para um animal moribundo o qual, daqui a pouco, será mais recomendável para o abate que para o tratamento. Não se trata da morte da poesia, como a incompetência apocalíptica de alguns pressagia, mas antes da morte da sua acessibilidade, da morte do seu circuito eficiente de distribuição que procura permitir que o número de leitores suplante satisfatoriamente o número de autores.

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    1. Agradeço o esclarecimento e a reposição da verdade dos factos por parte de David Teles Pereira. Entre o que afirmou e as palavras publicadas no "Ípsilon" vai uma distância, como agora se diz, brutal. Caminhar já é difícil. Seguir em frente, atravessando caminhos minados por tamanhos equívocos e mal-entendidos é, pois, o cabo dos trabalhos. Mas tem de ser.

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  2. Apenas agora vejo este post e gostava de deixar claro que as frases, entre aspas, que me são atribuídas foram grosseiramente alteradas e adulteradas. Não disse, por exemplo, que «a poesia é a arte portuguesa por excelência», mas sim (um pouco na senda da análise de Joaquim Manuel Magalhães, ou Eduardo Lourenço), que a «poesia portuguesa é possivelmente a forma de expressão artística, em Portugal, que menos deve a influências exteriores à sua própria origem» e que, nesse sentido, é certamente a que maior autonomia estética conhece no nosso país» (entendendo-se «país» no sentido identitário), tendo o autor da peça jornalística, caneta, moleskine e caipirinha na mão tomado os seus apontamentos, de onde resultou «mais autêntica do que qualquer outra experiência artística». Não me dei ao trabalho de exercer direito de resposta. Considero a reportagem pobre, cheia de dislates, à procura da pequena história e do trivial. E não, não me apresentei como «leitor atento aos novos»; após 'lhe terem falado de mim' e 'visitado muitas vezes' o meu blogue, Paulo Moura convidou-me para falar sobre o tema que deu origem ao trabalho cometido. Nem sequer me dei conta de que estava a ser entrevistado (mas a ter uma conversa com alguém que, manifestamente, precisava de auxílio em conceitos, factos e informação elementares); tal facto foi-me informado apenas no final da conversa, contrariando as regras mais básicas da deontologia do ofício. Porém, confiei… Erro meu.

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    1. Tal como aconteceu com David Teles Pereira, registo e agradeço a reacção de Manuel Margarido relativamente ao modo como foi citado por Paulo Moura. É caso para repetir, mudando apenas o nome do "entrevistado": "Entre o que afirmou e as palavras publicadas no "Ípsilon" vai uma distância, como agora se diz, brutal. Caminhar já é difícil. Seguir em frente, atravessando caminhos minados por tamanhos equívocos e mal-entendidos é, pois, o cabo dos trabalhos. Mas tem de ser." A nova poesia portuguesa (autores, leitores,comentadores,interessados em geral)merece, pois, muito mais.

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