Jardim dos Heréticos
vai dia trás dia e é boa altura, esta
para ler Sá de Miranda
pois que é tosca a pátria, a língua é muda
e aquela verdura minha se ensarilha no produto
interno da bruteza nacional
mais cousa menos verso
e ficarei sem quinhão algum, faço as malas
para o escuro território desse
íntimo inalterável
porção concebida de amor negro, luminar
que troquei pronto por essa desarmonia rapace
que catava e urdia a longeva posteridade
para a poesia se vai a pé
cabeça nua, mãos vazias, pasmando até à morte
como quem reúne face a face com o mal
- asseguro-lhe, Ex.ª, este mal de que falo está cheio da graça que procura -
e é preciso considerar como sã e generosa
a ordem de expulsão do paradiso
seja o perdido, perdido; seja aqui o que começa
(Ensinar o caminha ao diabo, Lisboa, edição do autor, p.86).
segunda-feira, 25 de junho de 2012
terça-feira, 19 de junho de 2012
Jorge Roque
Viola partida - 3
(Canção da vida, Averno, Lisboa).
Agilidade técnica, destreza na rima, ouvido para o ritmo, instinto harmónico - e a morte, Doutor, e a morte? Como nas teclas os dedos do pianista, a posição exacta, momento, peso, a ascensão e queda de cada nota, o seu trajecto contra o silêncio que a revela - e a morte, Doutor, e a morte? Conhecimento dos poetas de outras épocas, genealogia da língua, amplitude e precisão do léxico - e a morte, Doutor, e a morte? Domínio pleno do instrumento, no fundo é disto que se trata, claridade da articulação, objectividade expressiva, intensidade interior, saturação lírica - e a morte, Doutor, e a morte?
(Canção da vida, Averno, Lisboa).
quinta-feira, 14 de junho de 2012
A poesia em 2012: Manuel de Freitas
Lawrence's, Quarto Jane Lawrence
Não é fácil dormir, quando se ergue
à nossa frente, oval e severo,
o retrato de Jane Lawrence Oram,
promessa quase certa de pesadelos.
Junto ao chão, num pequeno nicho,
os livros de António Barahona
e Diogo Vaz Pinto vieram fazer companhia
a Bram Stoker, Hans Martin e Isabel Allende
- oferenda de remotos frequentadores
deste mesmo quarto virado para o bosque.
Não é fácil, em suma, dormir nesta cama
tão larga, esculpida em madeira velha
- e o vento, em qualquer língua,
apenas significa morte.
(18 de Abril; Língua Morta, Lisboa, 2012, p. 7).
Não é fácil dormir, quando se ergue
à nossa frente, oval e severo,
o retrato de Jane Lawrence Oram,
promessa quase certa de pesadelos.
Junto ao chão, num pequeno nicho,
os livros de António Barahona
e Diogo Vaz Pinto vieram fazer companhia
a Bram Stoker, Hans Martin e Isabel Allende
- oferenda de remotos frequentadores
deste mesmo quarto virado para o bosque.
Não é fácil, em suma, dormir nesta cama
tão larga, esculpida em madeira velha
- e o vento, em qualquer língua,
apenas significa morte.
(18 de Abril; Língua Morta, Lisboa, 2012, p. 7).
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