quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"a pintura"

Em parte, talvez seja assim. Mas penso que só em parte. Veja-se, por exemplo, um livro do ano que agora finda que, prática e imerecidamente, passou despercebido, A mão na água que corre, de José Manuel de Vasconcelos (Assírio & Alvim). Pintura? Rubens e Van Gogh, sim, mas também Christopher Pratt ou Lourdes Castro. Ou Gerardo Rueda:

NUMA EXPOSIÇÃO DE GERARDO RUEDA

Olhavas para um quadro de Rueda
com um ar curioso mas displicente
procurando acolher aquelas três ou quatro
massas de cor na desorganização do teu olhar
que bem reflectia a tua vida
e eu contemplava-te apenas a pensar em sexo
e colocava-te mentalmente nas posições
em que gostaria de te possuir nessa noite
quando na efémera paisagem do quarto de hotel
organizássemos a relação do desejo
com os objectos que o habitavam (cama, cadeira, espelhos,
e até o armário)
No fundo, no teu corpo
inscrevia-se a indecifrável vertigem
que une a arte e a vida

(p. 60)

Também aqui se vê, curiosamente, à maneira de Hopper, uma "efémera paisagem d[e] quarto de hotel"; mas não se vislumbra nenhuma melancolia, antes desejo e vertigem. A propósito de vertigem, ocorre-me ainda um outro exemplo (igualmente de um livro deste ano): 2010-2011, de Ana Paula Inácio. Também aqui, em vez de Hopper, as latas de Tomato Soap ou as embalagens de detergente Brillo de Warhol; ou Francis Bacon. Sim, apesar de tudo, a coisa é muito mais divertida e interessante.

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