segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A poesia em 2011: Golgona Anghel

Portugal, dia um de Maio de dois mil e oito.
As nossas janelas têm vista para o Mediterrâneo.
Os nossos turitas são ingleses. As nossas cozinheiras angolanas.
As nossas empregadas brasileiras.
Os nossos pedreiros ucranianos.
Os nossos comerciantes chineses e indianos.
As nossas amantes baratas.
As nossas putas disponíveis - agora, se faz favor.
Os nossos sonhos transatlânticos.
Os nossos hábitos light, soft, ecológicos, se possível.
Os nossos medos hoje são negros.
Os nossos dias contados.
As cegonhas têm a cor do querosene
e o sentido apurado dos Airbus 380.
Sobeja alguma caixa de Pandora,
com alguns dentes de ouro guardados lá dentro.
No Outono, iremos apanhá-los quais frutos maduros
caídos no chão das câmaras de gás da nossa consciência.

Até lá, vamos diariamente povoando
o nosso jardim zoológico com animais virtuais.
O ambiente está bom. O tempo provável.
As modelos dos clipes publicitários da Colgate,
os bushes e as torres gémeas, o sarkozy e as carla bruni
etc., estão todos a sonhar os nossos sonhos
desde uma margem da história
que não vinha nos manuais,
desde o outro lado do ecrã dos nossos plasmas philips,
desde o real socialismo
que falhou, falhou, falhou tantas vezes
melhor no sonho da sua realidade
desde uma união aduaneira cada vez mais integrada,
do banco europeu onde o próprio presidente nos sonha
na fossa comum da política agrícola (PAC)
desde a altura do seu bigode,
desde a fofura da sua almofada,
com fantasisas em seda bordadas nas margens
e uma palavra com letras pequeninas,
preto sobre branco,
a-r-m-a-n-i.



(Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, Lisboa, pp. 70-71).

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