quinta-feira, 22 de setembro de 2011
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Carlos Queirós
Anti-soneto
O nosso drama de portugueses,
O nosso maior drama entre os maiores
Dos dramas portugueses,
É este apego hereditário à Forma:
Ao modo de dizer, aos pontinhos nos ii,
Às vírgulas certas, às quadras perfeitas,
À estilística, à estética, à bombástica,
À chave de ouro do soneto vazio
- Que põe molezas de escravatura
Por dentro do que pensamos
Do que sentimos
Do que escrevemos
Do que fazemos
Do que mentimos.
Ao Mário Saa
O nosso drama de portugueses,
O nosso maior drama entre os maiores
Dos dramas portugueses,
É este apego hereditário à Forma:
Ao modo de dizer, aos pontinhos nos ii,
Às vírgulas certas, às quadras perfeitas,
À estilística, à estética, à bombástica,
À chave de ouro do soneto vazio
- Que põe molezas de escravatura
Por dentro do que pensamos
Do que sentimos
Do que escrevemos
Do que fazemos
Do que mentimos.
(Poemas portugueses. Antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI, selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage, prefácio de Vasco da Graça Moura, Porto Editora, Porto, 2009, p. 1291).
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Go get some rosemary...
(19 de Setembro de 1981, Central Park, Nova Iorque...)
(Are you going to Scarborough Fair?
Parsley, sage, rosemary & thyme
Remember me to one who lives there
She once was a true love of mine
Tell her to make me a cambric shirt
(On the side of a hill in the deep forest green)
Parsely, sage, rosemary & thyme
(Tracing a sparrow on snow-crested ground)
Without no seams nor needlework
(Blankets and bedclothes a child of the mountains)
Then she'll be a true love of mine
(Sleeps unaware of the clarion call)
Tell her to find me an acre of land
(On the side of a hill, a sprinkling of leaves)
Parsely, sage, rosemary, & thyme
(Washed is the ground with so many tears)
Between the salt water and the sea strand
(A soldier cleans and polishes a gun)
Then she'll be a true love of mine
Tell her to reap it in a sickle of leather
(War bellows, blazing in scarlet battalions)
Parsely, sage, rosemary & thyme
(Generals order their soldiers to kill)
And to gather it all in a bunch of heather
(And to fight for a cause they've long ago forgotten)
Then she'll be a true love of mine
Are you going to Scarborough Fair?
Parsley, sage, rosemary & thyme
Remember me to one who lives there
She once was a true love of mine.)
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
A poesia em 2011: José Bento
12
Não há ninguém para ouvir, se acaso cantam
a chuva, pássaros, ausências vibrantes
na cozinha de outrora,
- no telhado onde a noite repousa de seus astros,
nas ramagens transidas mais que por raízes
sôfregas dos passos enterrados:
pelo vazio talhado por quantos se apagaram
sem poder acenar-lhes sequer o olhar restante.
Do fumo, nem névoa nem olor,
(aquele extenso olor de lembranças e pinho)
só a sua escrita viva nas lajes, nas madeiras:
aqui, diz a caruma a espertar o café;
ali, que ateiam lenha mãos tão anafosas
que sob a terra inda me acalentam;
e leio mais além as ceias, os serões
de sabores e conversas fluindo sonolentos.
Há a porta fechada por uma chave perra
sem haver quem recorde onde ela está guardada;
e a lareira e a mesa, já não pedra e castanho:
rostos sob a poeira sem lábios para a voz;
e o cântaro, a soleira, as janelas, o cesto,
sem água nem pegadas, sem cortinas e pão.
Longínquo, desconheço o que aí sobrevive:
houve palavras, gestos, achas nem cinza hoje,
calor e não apenas de sol e labaredas,
em redor soltou-se a aura de pólen e trinados;
isto me chama e abriga como as paredes trémulas,
mais de vestigíos plenos que de cal e adobes,
onde busco quem fui sem me importar se o encontro,
entre rastos de sombras e de asas já sem voo.
(Sítios, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011, pp. 24-25).
A Joaquim Manuel Magalhães
Não há ninguém para ouvir, se acaso cantam
a chuva, pássaros, ausências vibrantes
na cozinha de outrora,
- no telhado onde a noite repousa de seus astros,
nas ramagens transidas mais que por raízes
sôfregas dos passos enterrados:
pelo vazio talhado por quantos se apagaram
sem poder acenar-lhes sequer o olhar restante.
Do fumo, nem névoa nem olor,
(aquele extenso olor de lembranças e pinho)
só a sua escrita viva nas lajes, nas madeiras:
aqui, diz a caruma a espertar o café;
ali, que ateiam lenha mãos tão anafosas
que sob a terra inda me acalentam;
e leio mais além as ceias, os serões
de sabores e conversas fluindo sonolentos.
Há a porta fechada por uma chave perra
sem haver quem recorde onde ela está guardada;
e a lareira e a mesa, já não pedra e castanho:
rostos sob a poeira sem lábios para a voz;
e o cântaro, a soleira, as janelas, o cesto,
sem água nem pegadas, sem cortinas e pão.
Longínquo, desconheço o que aí sobrevive:
houve palavras, gestos, achas nem cinza hoje,
calor e não apenas de sol e labaredas,
em redor soltou-se a aura de pólen e trinados;
isto me chama e abriga como as paredes trémulas,
mais de vestigíos plenos que de cal e adobes,
onde busco quem fui sem me importar se o encontro,
entre rastos de sombras e de asas já sem voo.
(Sítios, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011, pp. 24-25).
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
A poesia em 2011: Golgona Anghel
Portugal, dia um de Maio de dois mil e oito.
As nossas janelas têm vista para o Mediterrâneo.
Os nossos turitas são ingleses. As nossas cozinheiras angolanas.
As nossas empregadas brasileiras.
Os nossos pedreiros ucranianos.
Os nossos comerciantes chineses e indianos.
As nossas amantes baratas.
As nossas putas disponíveis - agora, se faz favor.
Os nossos sonhos transatlânticos.
Os nossos hábitos light, soft, ecológicos, se possível.
Os nossos medos hoje são negros.
Os nossos dias contados.
As cegonhas têm a cor do querosene
e o sentido apurado dos Airbus 380.
Sobeja alguma caixa de Pandora,
com alguns dentes de ouro guardados lá dentro.
No Outono, iremos apanhá-los quais frutos maduros
caídos no chão das câmaras de gás da nossa consciência.
Até lá, vamos diariamente povoando
o nosso jardim zoológico com animais virtuais.
O ambiente está bom. O tempo provável.
As modelos dos clipes publicitários da Colgate,
os bushes e as torres gémeas, o sarkozy e as carla bruni
etc., estão todos a sonhar os nossos sonhos
desde uma margem da história
que não vinha nos manuais,
desde o outro lado do ecrã dos nossos plasmas philips,
desde o real socialismo
que falhou, falhou, falhou tantas vezes
melhor no sonho da sua realidade
desde uma união aduaneira cada vez mais integrada,
do banco europeu onde o próprio presidente nos sonha
na fossa comum da política agrícola (PAC)
desde a altura do seu bigode,
desde a fofura da sua almofada,
com fantasisas em seda bordadas nas margens
e uma palavra com letras pequeninas,
preto sobre branco,
a-r-m-a-n-i.
(Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, Lisboa, pp. 70-71).
As nossas janelas têm vista para o Mediterrâneo.
Os nossos turitas são ingleses. As nossas cozinheiras angolanas.
As nossas empregadas brasileiras.
Os nossos pedreiros ucranianos.
Os nossos comerciantes chineses e indianos.
As nossas amantes baratas.
As nossas putas disponíveis - agora, se faz favor.
Os nossos sonhos transatlânticos.
Os nossos hábitos light, soft, ecológicos, se possível.
Os nossos medos hoje são negros.
Os nossos dias contados.
As cegonhas têm a cor do querosene
e o sentido apurado dos Airbus 380.
Sobeja alguma caixa de Pandora,
com alguns dentes de ouro guardados lá dentro.
No Outono, iremos apanhá-los quais frutos maduros
caídos no chão das câmaras de gás da nossa consciência.
Até lá, vamos diariamente povoando
o nosso jardim zoológico com animais virtuais.
O ambiente está bom. O tempo provável.
As modelos dos clipes publicitários da Colgate,
os bushes e as torres gémeas, o sarkozy e as carla bruni
etc., estão todos a sonhar os nossos sonhos
desde uma margem da história
que não vinha nos manuais,
desde o outro lado do ecrã dos nossos plasmas philips,
desde o real socialismo
que falhou, falhou, falhou tantas vezes
melhor no sonho da sua realidade
desde uma união aduaneira cada vez mais integrada,
do banco europeu onde o próprio presidente nos sonha
na fossa comum da política agrícola (PAC)
desde a altura do seu bigode,
desde a fofura da sua almofada,
com fantasisas em seda bordadas nas margens
e uma palavra com letras pequeninas,
preto sobre branco,
a-r-m-a-n-i.
(Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, Lisboa, pp. 70-71).
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
António Gedeão
Anti-Anne Frank
Esta criança esquálida,
de riso obsceno e olhares alucinados,
nunca apertou nas mãos a fria face pálida,
nunca sentiu, na escada, as botas dos soldados,
nunca enxugou as lágrimas que aniquilam e esgotam,
nunca empalideceu com o metralhar de um tanque,
nem rastejou num sótão,
nem se chama Anne Frank.
Nunca escreveu um díário nem nunca foi à escola,
nem despertou o amor de editores piedosos.
Nunca estendeu as mãos em transes dolorosos
a não ser nos primores da técnica da esmola.
Batem-lhe, pisam-na, insultam-na, sem que ninguém se importe.
E ela, raivosa e pálida,
morde, estrebucha, cospe, odeia atá à morte.
Pobre criança esquálida!
Até no sofrimento é preciso ter sorte.
Esta criança esquálida,
de riso obsceno e olhares alucinados,
nunca apertou nas mãos a fria face pálida,
nunca sentiu, na escada, as botas dos soldados,
nunca enxugou as lágrimas que aniquilam e esgotam,
nunca empalideceu com o metralhar de um tanque,
nem rastejou num sótão,
nem se chama Anne Frank.
Nunca escreveu um díário nem nunca foi à escola,
nem despertou o amor de editores piedosos.
Nunca estendeu as mãos em transes dolorosos
a não ser nos primores da técnica da esmola.
Batem-lhe, pisam-na, insultam-na, sem que ninguém se importe.
E ela, raivosa e pálida,
morde, estrebucha, cospe, odeia atá à morte.
Pobre criança esquálida!
Até no sofrimento é preciso ter sorte.
(Reproduzido em Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI; selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage; prefácio de Vasco Graça Moura, Porto Editora, Porto, 2009, pp. 1288/1289).
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
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